quinta-feira, 30 de julho de 2020

Prisão Domiciliar de Márcia Aguiar ao Zé Ninguém: Quem tem direito?

Nesta postagem iremos falar sobre a prisão domiciliar. Em que consiste, quais os requisitos para seu deferimento, quem tem direito e as decisões não corretas em alguns casos de concessão, como no da mulher de Fabricio Queiroz. Veremos nos tópicos seguintes, todas as hipóteses de prisão domiciliar no nosso sistema processual penal, em cotejo, ainda, com a Lei de Execuções penais.


  

  

1 - Prisão Domiciliar.

 

Os artigos 317 a 318-B do Código de Processo Penal disciplinam a concessão, pelo juiz, da prisão domiciliar aos indiciados ou acusados, em suas respectivas residências, somente dela se ausentar com autorização judicial, desde que preencham os requisitos legais para tanto. Dentre tais requisitos estão: (I) ser o

indiciado ou réu maior de 80 (oitenta) anos; (II) extremamente debilitado por motivo de doença grave; (III) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 06 (seis) anos de idade ou com deficiência; (IV) gestante; (V) mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (VI) homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

 

O art. 218-A, introduzido no CPP pela Lie nº 13.769/18 afirma que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

 

Por fim, o art. 318-B determina que a substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código, que são as medidas cautelares diversas da prisão cautelar. Explicarei uma a uma as hipóteses.

 

Analisando o que determina a legislação parece-nos que a prisão domiciliar somente é possível ao réu preso provisoriamente (Prisão temporária, em flagrante ou preventiva), mas a jurisprudência vem entendendo que é possível, com fundamento no principio da dignidade humana, a prisão domiciliar também ao réu já condenado definitivamente.

 

Isso pelo fato da Lei de Execuções Penais, em seu art. 117 mencionar a prisão domiciliar para condenado ao regime aberto, ou seja, somente nesse regime de prisão é que é possível a prisão domiciliar, com redução e idade para 70 (setenta) anos, nos seguintes casos:

 

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:

I - condenado maior de 70 (setenta) anos;

II - condenado acometido de doença grave;

III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

IV - condenada gestante.

 

 Sobre o tema, como dissemos, se pronunciou a jurisprudência, senão vejamos:

 

AGRAVO - PRISÃO DOMICILIAR SUBSTITUTIVA DO REGIME ABERTO - POSSIBILIDADE - HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA - PRECEDENTES DO STJ. É admissível a concessão da prisão domiciliar na ausência de vagas no regime aberto, considerando as condições peculiares do sentenciado e em homenagem ao princípio da dignidade humana que impede tratamento mais rigoroso à liberdade do réu quando a lei possibilitar tratamento mais benéfico. Precedentes do STJ. V.V. AGRAVO EM EXECUÇÃO - REGIME ABERTO - AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO - PRISÃO DOMICILIAR - REQUISITOS DO ART. 117 DA LEP - HIPÓTESE NÃO CONTEMPLADA EM LEI - DAR PROVIMENTO. - A falta de vagas em Casa do Albergado na Comarca não justifica a concessão de prisão domiciliar ao condenado em regime aberto por ausência de fundamento legal, posto que só terá direito à mesma quando o caso se enquadrar nas hipóteses expressas no artigo 117 da LEP.

(TJ-MG 100000950362730011 MG 1.0000.09.503627-3/001(1), Relator: ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, Data de Julgamento: 23/02/2010, Data de Publicação: 15/03/2010).

 

HABEAS CORPUS - RÉU CONDENADO PELO JUÍZO DA 1ª VARA CÍVEL E CRIMINAL DA COMARCA DE PROPRIÁ A CUMPRIR UMA SANÇAO EM REGIME SEMI-ABERTO - SEGREGAÇAO NA DELEGACIA REGIONAL DE POLÍCIA CIVIL DE PROPRIÁ - CUMPRIMENTO DA SANÇAO DE FORMA MAIS GRAVOSA - IMPOSSIBILIDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO - INEXISTÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO PARA CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME SEMI-ABERTO - ÔNUS QUE NAO PODE SER SUPORTADO PELO CONDENADO - INCOMPATIBILIDADE COM O DISPOSTO NO ART. 33, 1º, b, DO CÓDIGO PENAL - CUMPRIMENTO EM REGIME DE PRISÃO DOMICILIAR - ADAPTAÇAO AO DISPOSTO NA LEP ATÉ A RESPECTIVA ADEQUAÇAO DE SUA SEGREGAÇAO NO REGIME ADEQUADO PELA VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS - PARECER FAVORÁVEL - CONCESSAO DA ORDEM - UNANIMIDADE. - Restando provado nos autos que o paciente está cumprindo a sanção imposta em regime mais gravoso do que imposto na sentença condenatória, impõe-se a concessão da ordem posto que evidenciado o constrangimento ilegal apontado. - Inexistindo vaga em estabelecimento prisional adequado neste Estado a comportar o cumprimento da pena aplicada ao paciente, fixada no regime semi-aberto, aplica-se excepcionalmente o regime de prisão domiciliar até a respectiva adequação da Vara de Execuções Criminais. - Habeas Corpus concedido. Decisão unânime.

(TJ-SE - HC: 2010314290 SE, Relator: DESA. GENI SILVEIRA SCHUSTER, Data de Julgamento: 17/01/2011, CÂMARA CRIMINAL)

 

 

2 – Indiciado ou réu maior de 80 (oitenta) anos de idade.

 

Evidente que o legislador colocou o idoso com mais de 80 (oitenta) anos como beneficiário da prisão domiciliar por questões humanitárias, uma vez que nesta faixa de idade a maioria dos seres humanos encontra-se em situação de risco, com doenças crônicas decorrentes da idade e a prisão domiciliar se mostra mais condizente com essa situação.

 

Não é menos verdade que temos indivíduos que praticaram crimes hediondos e que a mantença, até mesmo em prisão domiciliar colocaria em risco a sociedade, uma vez que é evidente que os meios de fiscalização da prisão são extremamente falhos, o que não recomendaria a concessão de tal prisão, mas são casos excepcionalíssimos.

 

Existem correntes doutrinárias defensoras da redução dessa idade para 60 ou 65 anos, com argumentos de que a maioria da população brasileira não chega aos 80 anos de idade e que seria cruel manter o idoso em cárcere fechado.

 

Não comungo dessa ideia. O Brasil é o país dos direitos máximos e responsabilidades mínimas. Não vejo como cruel o encarceramento de idosos que cometem delitos violentos e hediondos. As vítimas e familiares não sentiriam que a justiça foi realizada com a mantença desses criminosos em prisão domiciliar.

 

Vivenciei um caso em que um idoso doente que foi abrigado pela ex-mulher, a qual se sentiu penalizada pela doença do ex-marido. Ela já tinha outro companheiro e ele não aceitava e tirou a vida da ex-mulher por conta do novo relacionamento com cinco tiros. O fato de ser idoso, em meu sentir, não justificaria que cumprisse pena em regime de prisão domiciliar, pois a dor da família sequer seria aplacada pela condenação nessa situação.

 

2 – Indiciado ou réu extremamente debilitado por motivo de doença grave.

 

Outro caso de deferimento de prisão domiciliar por questões humanitárias.  Nesse aso a condição de saúde do réu permite que cumpra, em casa, a prisão provisória, pois não há, é sabido, condições de pleno tratamento no sistema carcerário brasileiro de doenças graves. Não pelo fato do individuo ter cometido um crime que deva pagar por fatos não relacionados ao delito que praticou.

 

Não quis, assim, o legislador brasileiro, que o preso portador de doença grave ou extremamente debilitado permanecesse em ambiente que possa agravar sua doença e leva-lo à morte, ou que dificulte o tratamento. Doenças como cardiopatias graves, câncer, AIDS, etc., permitem a concessão da prisão domiciliar.

 

A despeito das críticas, as pessoas nessas condições não podem cumprir pena em regime fechado ou semiaberto em condições que iriam agravar suas doenças ou leva-los à morte, repito, pela absoluta falta de condições dos ambientes penitenciários, os quais são, em sua maioria, comparáveis às masmorras da Idade Média. No Brasil, a pena infringe ao condenado uma dupla punição, o encarceramento pelo crime que cometeu e a tortura do ambiente de cumprimento da pena.

 

A prisão domiciliar concedida a Fabrício Queiroz teve como fundamento a sua doença grave, o que se justifica, uma vez que é portador de carcinoma e, nessa condição faz jus à prisão domiciliar.

 

 

3 – Indiciado ou réu que é imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 06 (seis) anos de idade ou com deficiência.

 

Nessa hipótese, o que se busca proteger, também com fins humanitários, são as crianças menores de 06 (seis) anos ou com deficiência, seja qual for a idade, que dependa dos cuidados do indicado ou réu, caso em que deve ser demonstrado que não há outra pessoa, cônjuge ou familiar que possa cuidar da criança ou do deficiente. A deficiência pode ser física ou mental, não faz a lei distinção.

Para não se tornar um passaporte para a impunidade, o requisito de imprescindibilidade deve ser observado com atenção pelo juiz, ou o argumento pode ser utilizado por criminosos para se furtar do encarceramento e continuar na carreira criminosa.

Por outro lado, a prisão preventiva somente será substituída pela prisão domiciliar desde que a mulher: (a) não tenha cometido o crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (b) o regime para cumprimento da pena seja o semiaberto para as definitivamente condenadas e (c) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente, pois neste último caso deixaria de fazer sentido beneficiá-la.

 

4 - Indiciado ou réu gestante.

 

Por questões humanitárias óbvias, a gestante poderá ter sua prisão preventiva substituída por prisão domiciliar. Aplica-se á mesma regara ao indiciado ou réu que seja imprescindível aos cuidados de criança menor de seis anos ou deficiente, ou seja, o crime não pode (a) ter sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa e (b) não pode ter sido cometido contra seu filho ou dependente, o que no caso da gestante fica muito difícil ser cometido, pelo seu estado gravídico, contra o próprio filho na barriga, restando a hipótese de tentativa de aborto, por exemplo.

 

A Lei de execuções penais, prevê a prisão domiciliar para gestante condenada definitivamente, no artigo 117, IV, sem qualquer ressalva, o que requer uma interpretação sistemática com o Código de Processo Penal, para evitar tratamentos não isonômicos.

 

5- Indiciada ou ré (mulher) com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

 

A rega permite que a indiciada ou ré que tiver filho até 12 (doze) anos de idade incompletos fique em prisão domiciliar. A regra já constava da Lei de Execuções Penais (art. 117, III) e, portanto, cabe aos casos de mulher condenada definitivamente em regime semiaberto.

 

Novamente aplica-se a regra que determina que o crime não pode (a) ter sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa e (b) não pode ter sido cometido contra seu filho ou dependente.

 

6 – Indiciado ou réu (homem) caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

 

Inovação no Código de Processo Penal, trazida pela Lei nº 13.257/16 e que não consta da Lei de Execuções Penais, exigindo interpretação sistemática para ser concedida ao condenado com filho menor de 12 (doze) anos, em meu sentir. Se a lei trouxe ao homem tal benefício, buscando a isonomia com a mulher não há motivo para não interpretar a LEP de forma não isonômica.

 

Concluindo, podemos ver que Márcia Queiroz não preenche nenhum dos requisitos, ao contrário de seu marido, para ter recebido o benefício de prisão domiciliar, mormente pelo fato de que encontrava foragida, atrapalhando o curso da investigação, em afronta ao que determina a lei.

 

Se tiverem dúvidas, por favor, coloquem nos comentários.

 

 

 

 

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