terça-feira, 10 de março de 2020

Prova pescada em interceptação telefônica

Houve, recentemente celeumas na mídia e entre juristas, porque o juiz Sérgio Moro, que coordenava os processos da Operação Lava Jato, retirou o sigilo da investigação sobre o ex-presidente Lula e divulgou no dia 16/03/2016 as conversas interceptadas de Lula com diversas pessoas, inclusive com a Presidente Dilma. em uma dessas conversas, Lula acerta com Dilma Rousseff os detalhes para que fosse nomeado Ministro para escapar das investigações da Operação Lava Jato. O diálogo consta no relatório de inteligência da Polícia Federal. A Polícia Federal identificou Lula por suas iniciais, ocasião em que Dilma diz a Lula que enviará a ele o termo de posse como Ministro.

Há boatos de que o Juiz Sérgio Moro estaria, também, sendo monitorado pela ABIN por ordem da Presidência da República e por isso retirou o sigilo das investigações. A versão apresentada por Moro foi de que Lula desconfiava do monitoramento de suas conversas telefônicas e pelo teor dos diálogos degravados é provável que ele estivesse ciente da interceptação telefônica, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos diálogos. Na decisão que retirou o sigilo das investigações, Moro também considerou que o interesse público e o princípio constitucional da publicidade impedem a continuidade dos sigilos dessas mesmas interceptações.

O Palácio do Planalto, em nota divulgada no mesmo dia, repudiou a divulgação das conversas e disse que vai adotar medidas para reparar o que classificou como “flagrante violação” da lei e da Constituição Federal. Entendeu o Planalto que houve afronta direitos e garantias da Presidência da República. Para o jurista Dalmo Dallari, os grampos realizados e divulgados pelo juiz federal Sérgio Moro são ilegais, pois entende que havia conversas de Lula com a Presidente e a interceptação carecia de autorização do supremo Tribunal Federal. Dessa forma, agiu o juiz Sérgio Mouro com abuso de poder, segundo opinião de Dalmo Dallari. 
Outro jurista, não menos famoso, Miguel Reale Jr., entende não haver ilegalidade nas gravações divulgadas pelo juiz Sérgio Moro. para ele, quem impôs o sigilo pode muito bem retirar o sigilo. O juiz que decreta o sigilo de uma investigação pode decidir levantá-lo, sem problema ou ilegalidade alguma. quanto ao conteúdo das gravações a nomeação de Lula para ministro pela Presidente Dilma considerou uma afronta à constituição e uma imoralidade para com o povo brasileiro, pois as interceptações, em sua avaliação, evidenciam que o país está nas mãos de uma “organização criminosa”.

Podemos verificar, assim, que muito se discute na doutrina e na jurisprudência, se é possível manter interceptações telefônicas quando fortuitamente encontradas as chamadas provas “pescadas” durante interceptações dirigidas a outras pessoas, bem como se a interceptação de pessoa com foro especial em função do cargo que exerce afasta a competência de que ordenou a interceptação. O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão e validou provas ou indícios fortuitamente encontrados, senão vejamos:

[…] O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção[…].
Além disso, recentemente, o mesmo STF reafirmou a validade de provas fortuitamente descobertas, ainda que contra detentores de foro por prerrogativa de função:

[…] Rechaçou-se, ainda, a alegação de invalidade da primeira interceptação telefônica. Registrou-se que, na situação em apreço, a autoridade judiciária competente teria autorizado o aludido monitoramento dos telefones de outros envolvidos em supostas irregularidades em execuções de convênios firmados entre determinada prefeitura e órgãos do governo federal. Ocorre que a impetrante teria mantido contatos, principalmente, com o secretário municipal de governo, cujo número também seria objeto da interceptação. Assim, quando das degravações das conversas, teriam sido verificadas condutas da impetrante consideradas, em princípio, eticamente duvidosas — recebimento de vantagens provenientes da prefeitura —, o que ensejara a instauração do processo administrativo disciplinar. Acresceu-se que a descoberta fortuita ou casual do possível envolvimento da impetrante não teria o condão de qualificar essa prova como ilícita […].

Fica claro, portanto, que não é franqueado ao Estado ignorar notícia de crime e que não há qualquer abuso ou intenção no conhecimento fortuito de fatos criminosos. A informação – quando não conexa ao fato investigado – será considerada como legítima notícia crime e, se for o caso, provocará nova investigação, não se tratando de prova ilícita ou derivada de ilícita. O fato de se obter notícia de crime praticado por alguém com foro por prerrogativa de função não invalida a prova.

Pode-se, ainda, compartilhar as provas entre processos, quando alguém é apanhado em interceptação dirigida a outros elementos. Assim, a prova obtida na interceptação pode ser solicitada pelo juiz do processo dos réus que foram “pescados” na interceptação. Concluindo, o fato da Presidente Dilma ter foro de prerrogativa de função não invalida a prova obtida contra ela e a notícia de eventual crime pode ser encaminhada ao Supremo Tribunal Federal para continuidade das investigações, sem descarte da prova já colhida.

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